Desafios do Brasil na era dos grisalhos - Parte 2

Salve, colegas da finansfera!

Antes de mais nada, quero agradecer a todos que ofereceram sugestões de leitura em meu último post, pretendo levar adiante muitas das indicações. Procurei responder a todos os comentários, mas infelizmente não pude me prolongar muito porque a rotina de trabalho resolveu pegar pesado em agosto, o mês que nunca termina... Também por isso o texto de hoje demorou tanto a sair. 

Na primeira parte deste post, procurei abordar a preocupante situação fiscal brasileira sob a ótica de nossa estrutura demográfica, que nos oferece oportunidades singulares nas próximas décadas, mas também impõe pressões crescentes às contas públicas no longo prazo. Tudo indica que não aproveitaremos todo o potencial do primeiro bônus demográfico (maior proporção histórica da força de trabalho em relação a dependentes inativos), principalmente devido à falta da cultura de planejamento de nossos gestores públicos. 

A boa notícia é que o envelhecimento da população ainda traz outras vantagens em potencial. A má notícia é que esses benefícios dependem de uma mudança no comportamento profundo dos brasileiros, algo que não vimos "nunca antes na história desse país". 

Recuperando o gancho do último post: será que a cultura do brasileiro poderá se adaptar às mudança surgidas com o envelhecimento da população?


O segundo bônus demográfico e o perdularismo do brasileiro

Em teoria, com o aumento na proporção de adultos e idosos na pirâmide demográfica (que tendem a economizar mais), o financiamento da despesa pública brasileira poderia se beneficiar da maior capacidade de poupança interna, o que reduz a dependência de poupança externa e gera capacidade de suportar ciclos de expansão econômica mais prolongados. Esse é o chamado segundo bônus demográfico, que aparentemente não criou frutos na economia brasileira, onde a taxa de poupança permanece em patamares historicamente baixos, apesar do aumento do envelhecimento populacional.

Como não poderia deixar de ser, se a noção de "planejamento" passa longe de nossos governantes, o problema se repete entre os governados - o imediatismo e o perdularismo parecem estar gravados em nosso DNA. De acordo com pesquisa recente do Banco Mundial, apenas 4 em cada 100 brasileiros poupam para a velhice - mesmo incluindo a parcela com renda mais elevada. Entre 143 países avaliados, apenas 11 estão piores do que o Brasil nesse quesito. O contraste mais evidente é com a situação de países do leste asiático, onde tradicionalmente a cultura de poupança está enraizada, superando os 20% do PIB em países como China, Índia e Indonésia. 

Muita gente ainda precisa revisar sua meta fiscal.

Em outras palavras, nós brasileiros escolhemos a satisfação imediata ao invés de garantir melhores condições de vida de modo perene. Os argumentos para justificar nossa imprevidência são os mais diversos: reflexo do período de hiperinflação, que impedia qualquer planejamento de longo prazo? Baixa renda per capita somada à altos impostos, ou seja, incapacidade de fazer sobrar qualquer quantia? Excesso de proteção de nosso Estado, que reproduziu um sistema de seguridade social insustentável em terras tupiniquins? Ausência de educação financeira, somada ao excesso de estímulos ao consumismo na mídia? Pura e simples preguiça  mental, que apenas se acentua com culto ao individualismo e prazer imediato que marca nossos millennials?

Minha opinião, por mais clichê que possa ser, é de que a sabedoria está no meio-termo: o Brasil não virou perdulário apenas a partir da inflação galopante dos anos 80; muitos dos países asiáticos com sólida cultura de poupança sofreram ou ainda sofrem com desafios econômicos, baixos níveis de renda média e de educação financeira. No Japão, por exemplo, parece possível conciliar previdência com o consumismo quase desenfreado. Já nos EUA, a alta renda e nível de educação não conduziram automaticamente a elevadas taxas de poupança.

A comparação com países do leste asiático, e mesmo com os vizinhos latinos,
não deixa dúvida que a imprevidência é estrutural no Brasil.

Característica que, somada ao alto custeio da máquina pública e da seguridade social,
invariavelmente compromete as condições de crescimento futuro.


Conjunturas políticas e econômicas recentes ajudam e muito a explicar nosso perdularismo. No entanto, existe nessa equação um pano de fundo cultural que nos distingue e que não pode ser ignorado. 

Talvez assumir isso seja incômodo, pois transferir a culpa ao agente externo e eximir-se de responsabilidade é muito mais conveniente, além de ter um pezinho firmado no materialismo histórico que embasa nosso discurso de vitimismo.

Penso que a resposta para nossa baixa poupança passe pela visão de mundo que fundamentou o próprio nascimento do Brasil, como colônia voltada à exploração, onde desfrutar era mais importante do que preocupações com planejamento e longo prazo. É nessa linha que Sérgio Buarque de Holanda define o paradoxo entre o semeador e o ladrilhador. O peso da centralização do governo e do paternalismo de políticas públicas (o Estado é nosso pai ou nosso está a nosso serviço?), desde a coroa portuguesa até o varguismo, passando pela Constituição Cidadã e pela relativa garantia de nosso sistema previdenciário, também colaboraram para nossa imprevidência. O mesmo vale para nossa tradição de políticas de matriz keynesiana, que historicamente perceberam o fomento ao consumo como fórmula mágica para o crescimento econômico. 

Não por acaso as políticas de transferência de renda executadas nos últimos anos acabaram resultando em uma massa inadimplente e endividada, e seus benefícios para geração de emprego e renda foram efêmeros, logo resultando na deterioração de nossos fundamentos econômicos. 

Esse tema é vasto e me estimularia a abordar diversos outros aspectos, mas fica minha contribuição. Fica a torcida para que o espírito de planejamento financeiro da nossa finansfera estimule cada vez mais brasileiros a cuidar de seus futuros.

Abraço a todos!

Comments

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    1. Obrigado Janota!

      Nossa comunidade só tem a crescer - e de quebra contribuir para melhorar a vida de mais pessoas - com mais gente postando e relfetindo sobre essa temática.

      Abraço!

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  2. Olá DM! Excelente post!

    Infelizmente são poucos ainda que se preocupam com finanças. Quando fui instrutor de um curso de educação financeira, vi que a coisa ainda vai demorar a pegar. Dos 12 inscritos, um já tinha tentado 4 vezes. Outros sequer sabiam sobre o tema..

    Abraço!

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    1. Pois é Inglês,

      Também tenho essa percepção. Acho muito curioso pensar que diferentes povos e culturas possuem maneiras variadas de encarar a relação com a comunidade que os cerca e a maneira de cuidar do próprio futuro. Pensar em previdência está diretamente associado ao quanto atribuímos à sociedade, ou a nós mesmos, a responsabilidade sobre cuidar de nosso futuro.

      Abraço, valeu pela visita!

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  3. País que poupa nesse nivel nao tem como ir pra frente..olha, e mesmo se a gente poupasse mais, iria tudo pra financiar a politicagem.

    Acho que é problema mais nosso do que dos portugueses que criaram o Brasil.

    Que legal seu post, gostei dos graficos, abc!

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  4. Dono da Mascada,

    Muito bom o seu ponto de vista! Não conhecia o blog, ingressei agora nesse ramo de investimentos e vou passar a acompanhar. Vc por acaso é geógrafo?

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    1. Bem-vindo, IN!

      Espero que continue participando dos comentários e, mais importante, que tudo isso contribua em seu crescimento pessoal.

      Não sou geógrafo, mas gosto muito de temáticas ligadas a sociedade e economia.

      Abraço!

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  5. Adultos gastam muito com carro e idoso com grana eh tudo bingueiro. Ainda mais viuva com pensao gorda. Vlws!

    Antonio Cesar

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  6. Investidora IluminatiAugust 25, 2017 at 4:39 PM

    Grande MB!
    Muito bom teu texto! Deveríamos ter alguma matéria relacionada à educação financeira no ensino básico/fundamenta. Acredito que desta forma aprenderíamos desde cedo a importância de planejar e economizar para conquistar o que queremos. Este tipo de conhecimento também nos capacitaria a evitar armadilhas que o mercado nos oferece, tais como as infinitas linhas de crédito à disposição que viabilizam a aquisição imediata de bens de consumo que, concretamente, a maioria da população não teria condições de comprar sem comprometer sua saúde financeira.
    Saudações Iluminatis e até a próxima!

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    1. Olá, Iluminati!

      Obrigado pelas palavras! De fato, é conveniente manter a maioria da população na linha do consumismo e de comportamentos tradicionais quanto à acumulação de patrimônio (sonho da casa própria; brasileiro apaixonado por carro; parcelar ao invés de pagar à vista; dinheiro rendendo na poupança). Apenas a clareza sobre ativo x passivos, ou sobre o quanto é danoso incorrer em juros, já fariam grande diferença.

      Abraço, continue por aqui!

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